Esta escultura de S. João, é aquela que ia no andor da Procissão das Freiras.
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Manhã de Junho ardente! O Sol tinge com as suas palhetas rebrilhantes o casario alegre da vila. Uma poalha doirada fosforeja no ar, em mil cambiantes rubras e amarelas. Há alegria. Andam canções nas bôcas. E nos olhos das raparigas chameja o brilho ardente da mocidade. Estamos no S. João! É festa do Padroeiro!
Á noite, na véspera, arderam fogueiras. Bailou-se. Houve descantes. E pares enlaçados, no rodopio da dança, juraram amôr eterno...
No convento, repicam os sinos, estralejam foguêtes, adejam bandeiras. Há grande azáfama. As freiras mais novas, atentas ao mundo e ao calendário cristão, sabem o santo que se festeja. E andam em roda viva, levantam a cascata, aformoseiam o andor, abrem-se em sorrisos. Vai sair a procissão. O andor do Santo é conduzido na deanteira pelas suas maiores devotas, logo seguido da comunidade. Vêm depois as meninas de côro, aperaltadas pela sécia dos ricos véus de tule que lhes recobrem a cabeça. No fecho, a tocar ferrinhos, tambôres e pandeiretas, vêm as criadas, vestidas com largas saias rodadas de côr azul escuro ou verde, jaqueta preta muito cingida ao corpo, largas mangas tufadas a morrerem em funil junto ao punho. Na cabeça, trazem toucas brancas finamente engomadas e postas com garridice.
Depois de voltear pela cerca, segue a procissão até junto duma capelinha onde depõe o Santo, voltado para o povo da vila que em cacho se amontôa no cêrro fronteiriço, perto da fonte de S. João.
Trepam as criadas acima do muro que debrua o primeiro lance da cêrca e queimam, num rasto de alegria que rasga o ar, ruidosos foguetes. Cala-se o côro dos tambôres e das pandeiretas. Uma voz trinada e melodiosa ergue-se do mosteiro a saudar o povo de Vila do Conde.
As freiras deste convento,
Hoje aqui neste lugar,
A todos que aí se encontram,
Alegres os vêm saudar...
E logo o côro, num crescente de vozes a rescender harmonias, sobe em ondulaçôes afinadas e repete a mesma quadra.
De longe, vem a resposta do povo da vila. È fio de voz que a distância adelgaça, gracioso e flébil, trepassado de sentimental melodia.
Nós agora aqui presentes,
Neste grande ajuntamento,
Cumprimentamos também
As freiras desse convento.
Repete o côro da vila a saudação às freiras. Começa o despique. Vem de cima outra cantiga e o povo volta a responder, num torneto de graças e de finezas, que mostra o bem querer que há entre o povo da vila e as freiras do convento.
Sôam as despedidas. Do alto vem a última cantiga. È a mesma voz moça e delicada que canta.
Vamos dar as despedidas
Como Cristo em Belém,
Adeus, adeus , meus senhores
Até ao ano que vem.
E o povo logo responde com a mesma saudade.
Vamos dar as despedidas
Nós agora aqui também
Adeus, freiras do convento
Até ao ano que vem.
Volta a procissão para a Igreja. Abala o povo em rancho, em direcção à praia. Desce o caminho que margina o Ave e passa em frente do convento, a cantar. Já as freiras se acotovelam nas grades para o vêr passar e lhe acenar com os seus ricos lenços de cambraia fina. A tarde está no fim. Ouve-se ao longe, o côro das vozes extinguir-se suavemente. A cinza das fogueiras já se dispersou. Volta o silêncio. Só o mar, lá distante, enche com o seu rumor de escravo, a sonolenta calma em que morre o dia no Convento.
Do livro "EM REDOR DO MOSTEIRO"
de Joaquim Pacheco Neves.
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E por milagre divino, na corrente de mais de mil anos, tudo ficou como dantes...
A.B.
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1 comentário:
Então não é, que o Clero, a Nobreza
e o Povo, teve de estar na Igreja Matriz a
olhar uns para os outros, até para
além das cinco e um quarto, à espera do Chefe, para que a Procissão de S. João que estava marcada para as cinco, pudesse saír?
Claro que uma vez por outra, ainda
seria de tolerar, mas por sistema não.
O mal, está na dependencia do tal,
do vil metal, sem o qual...
Cereja
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