04 abril, 2007

A CRUZ E A CRENÇA


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Elegante, desenvolvida e frondosa, erguia-se a arvore no seio da floresta, banhavam-n´a os perfumes inebriantes que vinham do calice das mais delicadas flôres, baloiçava-a a doce viração da tarde ao receber os ultimos beijos da luz do sol, acariciava-a o luar no calmo silencio das noites e um côro de ternas avesinhas erguia adoraveis hymnos no tecido da folhagem. Ditosa, a arvore erguia a fronde para o espaço e estendia os braços que suspendiam meigamente os festões das parasitas; as tempestades que passavam, respeitavam a sua robustez e as estações que se iam sucedendo poupavam a sua exhuberante seiva.

Um dia a arvore cedeu aos golpes certeiros de inclemente rachadôr, a lamina do machado entrou junto da raiz e o collôsso cahiu.

Despida de folhas, dissecada no caule, cravada até aos mais intimos filamentos, foi trazida para o povoado e depositada na officina. Alli, sem ter já a sua raiz no solo productôr, afastada da atmosfera de suavissimos perfumes, o operario tratou de amolda-l´a, dando-lhe a fórma d´um gigante com os braços abertos. Na floresta chamavam-lhe arvore, na officina designavam-na como um madeiro, depois de apparelhada ficou sendo-a Cruz.

Esta foi destinada a ser leito de dôres, escala de tractos, instrumento de justiça: trocaram-lhe a dôce companhia que tivera na floresta, pela odienta alliança com os verdugos.................


Foi assim que a cruz viveu até que um dia, apóz o sacrificio d´um padecente, appareceu orvalhada por infinitas lagrimas de saudade.

Desde que o cadaver sacrosanto do Filho de Deus pendeu dos seus braços tudo mudou. Até alli tinha atravessado um tremedal de espinhos, seguia agora uma estrada de flôres; fôra patibulo de escravos, havia de ser estandarte de livres; symbolisara o crime e a morte tinha de significar o amôr e a vida; designara abjecção e opprobrio, vinha revelando a glorificação da virtude.

É por isso que a Cruz ha vinte seculos vem exprimindo o amôr, a liberdade, a virtude, a glorificação do trabalho e as maravilhas do progresso.

(excerto do publicado na Illustação Villacondense, em 1911)

2 comentários:

Anónimo disse...

Pena é ter-se perdido a tradição do "Canto da Verónica" na Procissão do Enterro.
Dava ao préstito uma ainda maior solenidade.

José Cunha disse...

Por favor, fale-nos do "Canto da Verónica".

JCunha